Enquanto rasgava o papel de seda amarelado e seco que envolvia cuidadosamente seu livro Sertões, luz e trevas, na edição alemã, que recebi, pensava nas marcas do tempo e na preservação das coisas. Tratava-se de desvendar uma mulher, uma fotógrafa chamada Maureen Bisilliat. Como sou um péssimo repórter, me é impossível transcrever os fatos objetivamente, nossa conversa no estúdio acabou, portanto, por se diluir na sua obra.
O Kodachrome ígneo de urucum na pele dos indígenas, deflagrado pela luz oblíqua do Xingu, tingiu também minha retina e desencadeou, irremediavelmente, o processo da memória. Eu tinha 16 anos de idade quando vi seu ensaio visceral sobre o sertanejo e a terra em A João Guimarães Rosa, na forma de um livro. Senti-me traído e elevado, aprendiz e sábio por ter entrevisto a obra e compreendido: concluí, aquilo era Fotografia!
Seu retrato do Manuelzão, ereto e estoico, com ares esfíngicos, me assombrou durante 25 anos, até que fiz também seu retrato e o círculo se fechou.
Maureen tem razão, o homem civilizado é totalmente incapaz de viver em um mundo onde a passagem do tempo não tem importância.
A fotógrafa completou 90 anos, e acho que ela fingiu morar na civilização por toda essa jornada, pois para sua mente jovem a passagem do tempo nunca foi importante. Sua alma criativa morou em vários lugares, dos desertos e florestas da África à Amazônia.
Liguei para ela para dizer que iria publicar um trecho do texto e o retrato que fizemos há alguns anos.
Perguntei sobre a Maureen mãe e se ela poderia escrever um parágrafo sobre as filhas e a neta. Dois dias depois, me enviou um WhatsApp com um segredo. Ganhara de aniversário um filme das filhas, Sophia e Kyra, e da neta Julia, uma colcha de retalhos de mensagens gravadas, all over the world, nas suas palavras, depoimentos de amigos e colaboradores, mais de cem pessoas.
Do seu velho guia Achmed, no meio de uma tempestade de areia no Marrocos, a amigos músicos do Buena Vista Social Club em Havana. Com sua habitual joie de vivre e com sua paixão, ela me contou que o vídeo, primorosamente editado pela neta, apresentava fragmentos da sua vida estilhaçada pelo mundo.
Maureen tem amigos e familiares na Espanha, Portugal, Londres, Suíça, Nova York, Rio, São Paulo, e no seu Capão!
Disse que ao assistir ao vídeo se sentiu renovada, e que tudo aquilo a emocionara demais. Em suas palavras: “O que mexe comigo é você poder expressar a emoção através da criatividade. É isso que me interessa nessa vida”.
Desliguei o celular, respirei fundo, eu estava renovado.
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