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Futuro do presente

Esta é uma história que merece ser contada, entre tantas outras que vou compartilhar por aqui com vocês. Em 1981, eu morava na França, e de lá eu desenvolvia colaborações com empresas brasileiras, assim como participava de projetos entre França e Itália ligados a pesquisa e curadoria de moda. Contradições intensas com o Brasil que lentamente se abria na política e na economia.

por Helena Montanarini

Ciça Bueno, eu, Jean-Paul Gaultier com o livro que acabara de ganhar da Vânia Toledo e seu amigo.

Contradições intensas com o Brasil que lentamente se abria na política e na economia. Neste ponto, acho a história da moda inspiradora, porque expressa uma sensação de liberdade, uma sensação de beleza, de potência.Quando muitos talentos se encontram, reunimos todas as suas energias, isso provavelmente é uma explicação suficiente poragora para fazer este recorte no tempo.

Era a chegada dos fios sintéticos na indústria têxtil, uma inovação tecnológica que influenciou a nossa relação com o mundo moderno, com o tempo, com as possibilidades criativas. Fui convidada pela empresa Hoechst produtora do fio de poliésterTrevira,para promover este lançamento tanto para o mercado brasileiro, quanto para o internacional.

Nos reunimos em Paris, eu e Maria Helena Castilho, jornalista brasileira residente em Paris na época e Jean-Jacques Picart, um célebre assessor de imprensa francês e consultor de marketing nas áreas de luxo, moda e alta costura, vale dizer que Jean-Jacques foi sócio fundador da casa Christian Lacroix de 1987 a 1999. A ideia central passava pela conexão de estilistas, um intercâmbio de talentos da moda em torno de visões de presente e futuro. Os anos 80 são conhecidos como a década que celebrou o futurismo, e o ponto de partida foi o a construção de looks com esta premissa,usando as novas matérias-primas da Trevira Brasil.

Jean Charles de Castelbajac, Thierry Mugler, Enrico Coveri, PopyMoreni, ChantalThomass, Betsey Johnson, GeofreyBeene, Kansai Yamamoto, Anne Marie Beretta e Jean Paul Gaultier. Entre os estilistas brasileiros estavam Guilherme Guimarães, Décio Xavier, Elísio Brandão, Ricardo Cruz, Sônia Mureb, Bruno Bizinover, José Augusto Bicalho e Luíz de Freitas. Este time memorável de nomes e expressões reunidos, para realizarmos dois grandes desfiles, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.

Os estilistas convidados Jean-Paul Gaultier, Madame Castelbajac, ChantalThomass,Hugh Dockerque veio no lugar do GeofreyBeene, Jean Charles de Castelbajac, Kansai Yamamoto, Thierry Mugler, a modelo trazida por Kansai, Jean-Jacques Picart, Anne Marie Beretta, PopyMoreni, Enrico Coveri, Abaixados Ricardo Dias da Cruz, Luíz de Freitas, Betsey Johnson, Décio Xavier e Bruno Bizinover.

Chegamos de Concorde e nos instalamos no Hotel Maksud Plaza, uma verdadeira operação logística, que incluía 2 dias em São Paulo, 2 dias no Rio e mais dois dias a escolha de cada convidado. Entre os destinos mais escolhidos, o Rio e a Bahia e muitos souvenirs na mala de volta, de chapéu de cangaceiro, pencas de pedras (patua) a biquínis.

No Clube Paineiras em São Paulo, o espetáculo que começou com um audiovisual sobre a origem e as vantagens do fio sintético, seguido de uma visão geral sobre a moda das últimas décadas apresentado por Miéle. Para Maiá Mendonça, parte do time aQuadra, que cobria o evento pelo Estado de São Paulo, o grande destaque entre os brasileiros foi José Augusto Bicalho, da “Jo e Co” do Rio, que criou roupas largas, usadas com camurça franjada na cintura e um enorme chapéu, tudo em tons de branco. Para ela, Betsey Johnson deu um show à parte com suas “aqualoucas” do cancan e a maior surpresa foi PopyMoreni, com uma roupa sobreposta em organza.

Na parte do futuro, cada estilista dava seu conceito do que seria a moda dos anos 90. A moda de Bruno Bizinover, da “Oliver”, foi definida como “simples e racionalizada, ou melhor, nacionalizada”;  para Décio Xavier, da DecanDeux, o único paulista da mostra, a moda seria “descontraída e fantasiosa”;  Elísio Brandão, do Rio, usou a frase de Erich Fromm, “Sereis como deuses”;  José Augusto Bicalho, da Jo e Co, colecionador de art-noveau, criou uma fórmula para o futuro sucesso: “30 + 60 = 90. Uma fórmula quase cabalística. Somei tudo e trouxe duas décadas recicladas com novos materiais”. Vanguarda com nostalgia? Luis de Freitas, da “Belui” e Mr. Wonderful, do Rio acreditava que 1990 seria “Neptuno trazendo iemanjá”; Sonia Mureb, da “La Baggagerie“do Rio, pensou em “mulheres suaves, emancipadas, felinas e femininas”, enquanto que Ricardo Cruz, da Richards do Rio, achava que “a moda continuaria baseada no esporte”. Nada mal.

Dos estrangeiros, BetseyJonhson leu este trecho: “O velho e o novo.  O curto e o longo.  O áspero e o forte.  Ao redor, ao redor, ao redor, isto vai tão rápido quanto a T.V., os jatos e o vídeo.  No meio de confusão, deixe-me então no táxi aéreo “. Para Geoffrey Beene, que foi representado por seu assistente Hugh Docker, seu conceito de roupa seria “conforto, tanto no presente quanto no futuro”. Kansai Yamamoto, o estilista japonês, achava que no futuro haveria mais liberdade, individualidade e igualdade. O sportswear seria o preferido de todos.

Eu dando entrevista ao lado de Jean Paul Gaultier

Para Anne Marie Beretta, a roupa se tornaria nossa principal proteção contra um mundo cada vez mais duro. Para Gaultier “amanhã – ontem + hoje, uma mistura de experiências, esperanças e sonhos”. Vale pontuar que depois desta visita, Gaultier entre outros, passaram a frequentar regularmente o Brasil e a se inspirar nele.

Jean Charles de Castelbajac leu sua mensagem em português e disse que a moda seria dinâmica, elétrica, tecnológica, dramática, galáctica, estética e sentimental”.  – Segundo PopyMoreni, “o brilho do futuro era tão ofuscante que ele seria uma borboleta ou luz”, e Thierry Muggler acreditava na “liberdade do corpo, na luz, no sol e na alegria de viver”.

Foi uma experiência e um aprendizado para os estilistas brasileiros que naquela época por exemplo, não tinham o hábito de permanecer no camarim para a preparação dos looks, foi também um momento de redescoberta das modelos brasileiras, como a Mira e oReinaldo que passou a trabalhar para a Maison Thierry Mugler. Assim também tantos outros profissionais como Lívio Rangan, da agência de publicidade, Paulo Ramalho na produção e tantos outros na parte da beleza, coordenação e camarim.

No Rio, o desfile aconteceu no Hotel Nacional na Barra da Tijuca, em sintonia com festas, passeios de barco, momento de candomblé, bondinho em Santa Tereza e visita ao Pão De Açucar. Todos encantados com a cultura brasileira.

De volta a Paris, fui convidada por Gaultier para organizar seus desfiles. Compreendi o significado da palavra “direção de arte” e da importância de transgredir os limites experienciais,catalisadores para uma verdadeira inspiração.Todos esses paradoxos, inerentes à vida, que se encontram em algum momento. Principalmente em pensamentos, invisíveis, efêmeros. Você fez um esforço para compreender este momento mágico – “le rencontre”, é como eu gostaria de chamá-lo.

O mundo gira, e na minha trajetória na moda me reencontrei com todos eles em várias situações e continuo encontrando. Quando vou a Paris eu costumo guardar uma noite para jantar com Chantal Thomass, tornou-se uma amiga. Nesta pandemia me reconectei com Jean-Jacques Picart numa postagem de foto que eu fiz deste momento.

"Desta viagem lembro-me de uma recepção muito amigável dos brasileiros e acima de tudo de uma curiosidade e entusiasmo muito comovente pela moda francesa. Esta viagem foi um excelente pretexto entre brasileiros e franceses na moda - Ainda hoje todos os designers que participaram desta viagem evocam a sua estada em São Paulo e no Rio com emoção e gratidão."
Jean-Jacques Picart

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